domingo, 20 de março de 2011

O Instinto de Alterar a Consciência!

Andrew Weil em seu livro Drogas e Estados Superiores da Consciência (um livro revolucionário a meu ver) sugere que o desejo de alterar a consciência periodicamente - seja por meio de substâncias psicotrópicas, pela meditação, danças, jejum ou qualquer outro meio - constitui um impulso inato e normal tão intrínseco quanto o impulso sexual e a fome.

A necessidade de períodos de consciência não-ordinária começa a ser expressa em idades demasiado jovens, reduzindo muito as chances de estarmos lidando com um fenômeno resultante da influência condicionadora do meio: Crianças de três a quatro anos engajam-se extensamente em experiências com estados mentais usualmente no sentido de perder a consciência de vigilia, quem quer que observe crianças pequenas sem ser visto as verá rodopiando sob o mesmo eixo até caírem em estupor (quem não girava ao redor de sí mesmo quando criança atire a primeira pedra!), elas também hiperventilam-se, pressionam o tórax umas das outras e estrangulam-se para produzir inconsciência; muitas ainda decobrem que a zona de transição entre a vigília e o sono oferece muitas oportunidades para sensações inusitadas; as crianças engajam-se nestas experiências longe dos adultos, sempre prontos a reprimi-las e culpá-las.

Tais brincadeiras são observadas nas crianças de todas as culturas ao redor do globo, os psicólogos pouco atenção deram a estas atividades rotulando-as de "equivalentes sexuais" sugerindo que tivessem alguma relação com o orgasmo, uma interpretação reducionista do fenômeno que não amplia nossa capacidade de descrevê-lo, predizê-lo ou influenciá-lo, além do que - diz Weil - "nossa compreensão da experiência sexual é demasiado primitiva para nos ajudar muito".

Além disso a prática de induzir alterações na consciência esteve presente em todas as culturas ao longo da história. Civilizações em diferentes épocas e lugares sempre praticaram algum tipo de estado alterado envolvendo ou não o uso de substancias psicoativas. Todas as civilizações (com excessão dos esquimós) também possuíam seu intoxicante tradicional que era parte de sua cultura, seus ritos e/ou sua espiritualidade. Esta onipresença do fenômeno serve como argumento relativo à estarmos tratando de uma característica biológica da espécie.

A maioria das grandes religiões e pensamentos filosóficos do mundo surgiram em decorrência de estados alterados de consciência por parte de seus fundadores (Gautama, Maomé, São Paulo, Joana D'ark, etc.), também é de se notar que o gênio criativo há muito foi associado à psicose e o gênio intuitivo com o sonhar acordado, a meditação, os sonhos e outros métodos não ordinários de consciência. No Xamanismo as plantas de poder e os estados alterados são elementos essenciais de seu sistema espiritual. É ainda muito provável que as primeiras manifestações de espiritualidade pelo homem tenham tido sua origem nos estados alterados provocado pelo cogumelo Stropharia cubensis, o conhecido "cogumelo mágico"; esta tese foi abordada por autores como Robert Graves, Gordon Wasson, Terence McKenna e Timoth Leary.

Há muita lógica em nascermos com um impulso para experimentarmos outras maneiras de sentir nossas percepções: os estados alterados têm um grande potencial para um desenvolvimento psíquico extremamente positivo: parecem caminhos para um uso mais eficiente de sistema nervoso, para desenvolver faculdades criativas e intelectuais e para atingir certos tipos de pensamento que foram tidos por exaltados por todos os que os experimentaram. Os estados alterados devem ter influenciado profundamente a seleção natural da espécie humana: As faculdades criativas e intelectuais adquiridas atravéz dos estados alterados quando aplicadas ao dia-a-dia aumentariam as chances de sobrevivência, humanos mais criativos e reflexivos teriam muito mais facilidade em se adaptar a seu meio. Assim sendo o cérebro humano em sua atual fisionomia e fisiologiae resulta em parte dos estados alterados atingidos por nossos ancestrais que lhes permitiram sobreviver às turbulências do meio e passar seus genes adiante.

Fontes:
Drogas e Estados Superiores da Consciência. Andrew Weil. Ed. Ground. 1990
História das Ervas Mágicas e Medicinais. Mar Rey Bueno. Madras editora. 2009
O Alimento dos Deuses. Terence McKenna. Ed. Nova Era

terça-feira, 8 de março de 2011

Neste vídeo imperdível Terence McKenna defende a teoria que os cogumelos alucinógenos contendo psilocibina foram os responsáveis pelo surgimento do neocortex humano e da linguagem!

Profeta do Psicodélico

Stanislav Grof foi um dos primeiros a conhecer o LSD e agora é o maior guru da psicologia transpessoal

Com Timoth Leary, recentemente falecido, e Ralph Metzner, da Universidade de Harvard, o psiquiatra húngaro, hoje radicado nos EUA, Stanislav Grof compõe o triângulo principal da chamada cultura psicodélica dos anos 60 e 70. Fascinado pelos estados de alteração de consciência, ele criou as bases do que se convencionou chamar de psicologia transpessoal. Uma ciência baseada em paradigmas científicos que reconhecem a alma e a relação entre consciência e matéria. Grof acredita que não se pode mais tratar as pessoas como corpos ou mentes. No final de maio, ele esteve em Manaus onde presidiu a 15ª Conferência Internacional de Psicologia Transpessoal e se confessou entusiasmado com o panreliogiosismo, a pajelança e os rituais indígenas brasileiros. Nesta entrevista para ISTOÉ conta um pouco de sua história e lembra o primeiro contato com LSD, então uma droga que se imaginava capaz de provar que a psicose e a esquizofrenia não eram doenças mentais, mas apenas o resultado de alterações químicas.

ISTOÉ - Quais as diferenças entre a psiquiatria convencional e a transpessoal?

Grof - Pessoas que têm um contato direto com a espiritualidade recebem diagnósticos de esquizofrênicos ou psicóticos. A psiquiatri transformou a espiritualidade em algo psicopatológico. Eu não conheço nenhuma religião que não tenha começado com uma experiência visionária dos fundadores, algo que chamaríamos hoje de uma experiência transpessoal. Segundo a psiquiatria, Santa Tereza foi uma histérica, São João da Cruz um esquizofrênico, Maomé um epilético. Eu não estou dizendo que não existem doentes com modificações de consciência que advém de problemas orgânicos. Estou sim falando de experiências onde uma visão de mundo mais ampla chega à consciência. Não como uma distorção de mundo, mas como uma oportunidade de compreender mais sobre o universo e complementar nossa visão.

ISTOÉ - Por que decidiu se dedicar a este ramo da psicologia?

Grof - Quando eu era criança, em Budapeste, Walt Disney era meu herói, e queria trabalhar com histórias em quadrinhos para o cinema. Mas fiquei tão excitado com as leituras sobre psicanálise que decidi estudar medicina. À medida que fui me aprofundando, me interessei pela análise de sonhos, sintomas neuróticos, lapsos de memória e psicoses. Quando percebi que se pode fazer muito pouco de prático com a psicanálise tradicional fiquei desapontado. É muito tempo, dinheiro e energia, e os resultados não são convenientes. Cheguei a me arrepender de não ter seguido a carreira cinematográfica.

ISTOÉ - E quando se iniciou com drogas psicodélicas?

Grof - Estava trabalhando com os primeiros tipos de tranquilizantes, como o melaril, desenvolvido pela Sandoz, quando eles nos mandaram uma caixa cheia de LSD, para ver se havia alguma utilidade na área psiquiátrica. A idéia principal era provar que a psicose e a esquizofrenia não eram doenças mentais, mas uma alteração química. Outra idéia era utilizar o LSD como treinamento não-convencional para psiquiatras, estudantes e enfermeiras para entenderem melhor os pacientes que tratavam. Era 1955, e eu me ofereci para a experiência. Foi uma transformação formidável para mim. Comecei a trabalhar sistematicamente na área de psicodélicos, e tive uma experiência mística poderosa, que me abriu espiritualmente.

ISTOÉ - Que experiência foi essa?

Grof - Eu tinha curiosidade de ver o que acontecia sob efeito do LSD. Quando fui exposto a uma luz estroboscópica saí do corpo, do laboratório, do país, do planeta, e minha consciência se tornou o universo. Uma experiência inesquecível. Passei 20 anos pesquisando essa área. Depois mais 20 anos estudando a respiração holotrópica, onde se conseguem os mesmos efeitos somente com a respiração, sem o uso de drogas.

ISTOÉ - Além do LSD e da respiração holotrópica existem alguns métodos seguros para se alterar a consciência?

Grof - O trabalho ritual com dança e canto, ou usando tambores. Métodos bastante extremos, como o jejum, não dormir, retirar-se para um deserto, uma caverna ou uma montanha. Em muitas culturas há o uso de plantas psicodélicas: a maconha usada pelos sufis, por algumas tribos africanas e pelos rastafarianos; na América central o peyote, os cogumelos sagrados do México, a ayahuasca e a datura. Há também variadas técnicas de meditação, de dança, ioga, budismo, do sufismo, da cabala e o misticismo cristão. Tudo isso leva ao contato com a espiritualidade, o que Jung chamaria de arquétipos do inconsciente coletivo. Outra dimensão importante dos estados alterados é provocar a cura de pacientes através desses estados, desenvolver a intuição, a inspiração artística e criativa.

ISTOÉ, Junho de 2003

a psicose transcendente

O surto psicótico é um estado potencialmente transcendente como demonstrado pela visão do fenômeno pela anti-psiquiatria e pela sabedoria das culturas Xamãnicas.
Psicose é um termo genérico que abrange perturbações psíquicas como alucinações, mania de perseguição e perda de contato com a "realidade". Para a psiquiatria tradicional trata-se de uma doença de causas desconhecidas; o tratamento requer medicação e em alguns casos internações sendo as chances de recuperação promovidas por estes meios bastante limitadas. Ao longo da história foram feitas tentativas agressivas para "curar" a psicose como a lobotomia (divisão do tecido cerebral em dois ou mais pedaços), ingestão de substâncias eméticas (que provocam vômito), sangria, eletroconvulsão, doses elevadas de sedativos, etc. Atualmente os psicofármacos constituem a principal forma de tratamento, segundo o neurocirurgião Frank Vertosick as drogas psicotrópicas não promovem nenhuma melhora substancial, apenas impedem os pacientes de "nos incomodarem".
A visão da loucura enquanto uma doença é relativamente nova na história, o termo "esquizofrenia" apenas serviria para rotular os desviantes que não inerpretam os papéis definidos como "normais" em sua vida diária. Segundo David Cooper, um dos precursores da anti-psiquiatria:

"A experiencia psicótica, contando com a orientação correta, é capaz de conduzir a um estado humano mais avançado, porém, muito frequentemente, é convertida pela interferência psiquiátrica em um estado de paralisia e estultificação da pessoa"

Para a anti-psiquiatria a normalidade também é uma forma alienada de existência. É considerado normal aquilo que a maioria das pessoas fazem em um determinado contexto, o indivíduo normal apenas se adapta as coisas como são vivendo no alienado jogo de papéis imposto pela sociedade. "Não fosse pelas atitudes de rebeldia de todos aqueles que não aceitaram o que era dado, criando o que ainda não havia, estaríamos todos nas cavernas". A anti-psiquiatria não descarta a existência de debilidades psíquicas realmente patológicas oriundas de problemas orgânicos, mas se opõe categoricamente à visão tradicional da loucura pela medicina.
No episódio psicótico ocorre uma desestruturação do "eu" (ou dos "eus") do indivíduo. Ele deixa de saber quem ou o que ele é mergulhando em uma fantasmagórica região interior. Tal mergulho é, de maneira ambígua e dialética, uma forma de libertação: libertação das estruturas alienadas da "normalidade" que eram impostas ao indivíduo.
Esta imersão em níveis mais profundos da mente, que existe como uma possibilidade latente em cada um de nós, assemelha-se à uma viajem na qual o indivíduo embarca, podendo retornar dela reorganizado e reestruturado desde que o processo não sofra interferências desastrosas. A psicose, segundo os precursores da anti-psiquiatria pode ser considerada um processo natural de cura onde o indivíduo busca desesperadamente a sí mesmo abandonando os modos impostos pelo meio e penetrando em um universo interior exclusivo dele.

"Esta viajem é sentida como uma penetração interior mais profunda, como um regresso atravéz da vida pessoal, para dentro, de volta, atravéz e para além da experiência de toda a humanidade, mergulhando no homem primitivo, em adão, e talvez mais longe ainda, no ser dos animais, vejetais e minerais"

Existem pessoas acometidas por alucinações que sentem-se confortáveis em sua condição. Este estado foi denominado pelo médico, biólogo e estudioso da mente Andrew Weil como "psicose positiva". Ele também cita casos de "paranóia positiva" e "neurose positiva". Ainda segundo Weil "todo psicótico é um sábio em potencial e na extensão em que os psicóticos negativos são pesos para a sociedade, nesta mesma extensão os psicóticos positivos podem ser trunfos".
O potencial transcendente da experiência psicótica torna-se ainda mais evidente quando analizamos o mesmo fenômeno do ponto de vista de outras culturas:
As sociedades indígenas demonstram uma extraordinária concepção do surto psicótico: quando ele se manifesta em algum indivíduo (o que geralmente ocorre na adolescência) tal fenômeno - longe de ser considerado doentio - constitui uma escolha dos deuses, aquele que manifesta o surto psicótico é escolhido e treinado para ser o futuro Xamã ou curandeiro da tribo.
O jovem Xamã em formação sofre perturbações psicóticas ou epiléticas, torna-se ausente, procura a solidão além de apresentar enfermidades físicas. Este estado somente se abranda quando o indivíduo aceita tornar-se Xamã, caso contrário sua condição o leva a morte. Acatando sua vocação o iniciante começa a ser treinado pelos Xamãs mais velhos e experientes da tribo.
O tratamento da psicose proposto pela anti-psiquiatria é semelhante ao dos índios: o paciente psicótico é acompanhado durante a experiência do surto por um terapeuta no qual ele confie e que possa direcionar o processo quando preciso. Os índios também o fazem, porém o acompanhamento se dá em um contexto espiritual envolvendo as tradições, os mitos e as práticas espirituais da tribo. Tal contexto é útil para a interpretação do futuro Xamã de suas visões que passam então a fazer maior sentido e permitem a ele certa "manutenção" de suas experiências e capacidades. Assim o processo de tornar-se Xamã pode ser considerado um processo de cura àqueles cujas experiências psicóticas são desagradáveis e debilitantes, ao menos dentro do contexto em que é executado.
O uso de compostos alucinógenos também faz parte do treinamento e das práticas espirituais regulares do Xamã como o vôo extático, o diagnóstico de doenças e na cura de enfermidades físicas e psíquicas. Não se trata de um consumo irresponsável e desmedido e sim, de um uso totalmente ritualizado incapaz de provocar os problemas associados a drogas presentes em nossa decadente sociedade. A substância, juntamente com cantos, invocações, danças e adereços sugestivos proporcionam experiências extra-corpóreas onde o Xamã visita inúmeros mundos ou dimensões, negocia com os deuses, recebe fórmulas medicinais, resgata almas perdidas de pessoas enfermas, diagnostica doenças, dentre outros.
É no mínimo curioso que estas substâncias são descritas como capazes de provocar verdadeiras psicoses, mas também são usadas no processo de ascenção do Xamã bem como na própria psicoterapia.
Até quando a medicina tradicional vai continuar com sua cômoda e limitada visão do surto psicótico como uma condição patológica? à quantos processos agressivos os psicóticos ainda terão de ser submetidos para que os médicos se toquem de sua própria insanidade??

Fontes:
A política da loucura. João F. Duarte Júnior. Ed. Papirus. 1986
Drogas e estados superiores da consciência. Andrew Weil. Ed. Ground. 1990
O Xamanismo e as técnicas arcaicas do Êxtase. Mircea Eliade. Ed. Martins Fontes. 2002

domingo, 6 de março de 2011

Cogumelos Magicos na Globo! (sim, é exatamente o que vc acabou d ler!)



eu recomendo também este documentário da National Geographic sobre o uso terapêutico do LSD e outros alucinógenos:
http://www.youtube.com/watch?v=LR4F3mvFIg0&playnext=1&list=PLB9F1C5AA2F327F78

Os homens, o Gado, os Cogumelos...

Quando nossos ancestrais remotos afastaram-se das árvores e passaram a ocupar as pradarias, cada vez mais encontraram gado selvagem que comia vegetação. Esses animais tornaram-se uma grande fonte de sustento potencial. Nossos ancestrais também encontram o esterco desse gado selvagem e os cogumelos que cresciam sobre ele.
Vários desses cogumelos das pradarias contém psilocibina: os da espécie Panaeolus e o Stropharia cubensis, também chamado de Psilocybe cubensis. Este último é o conhecido "cogumelo mágico" atualmente cultivado por entusiastas em todo o mundo.
Amplas evidências apóiam a noção de que o Stropharia cubensis é a superplanta ou o umbigo da mente feminina no planeta, que, quando seu culto estava intacto - o culto paleolítico da Grande Deusa de Chifres -, transmitia o conhecimento de que somos capazes de viver num equilíbrio dinâmico com a natureza, com os outros e com nós mesmos.
O arquétipo da Deusa Mãe de Chifres está presente em inúmeras culturas ao redor do globo, a vaca é um símbolo de maternidade e da terra nutriz desempenhando um papel cósmico e divino. No antigo Egito a vaca Ahet é a origem da manifestação, a mãe do Sol. Aparentemente, a Grande Mãe, ou Grande Vaca dos mesopotâmeos era também uma deusa da fecundidade. Entre os germanos a vaca Audumla é uma das primeiras manifestações de vida de sua cosmogonia juntamente com o gigante Ymir dos quais descendem a geração de deuses e a humanidade. Esse mesmo simbolismo estende-se à totalidade dos povos indo-europeus e permaneceu extremamente forte na índia onde a vaca é um animal sagrado venerada com muita eloquência nos vedas.

A vaca é o céu, a vaca é a terra;
A vaca é Vishnu e Prajapati;
O leite ordenhado na vaca saciou
Os Sadhya e os vasni

Segundo Terence McKenna autor do livro "O Alimento dos Deuses" o relacionamento entre seres humanos e cogumelos teria de incluir também o gado, os criadores da única fonte dos cogumelos. Esse relacionamento tem aproximadamente um milhão de anos, já que data dessa época a era dos caçadores nômades. Os últimos cem mil anos são provavelmente uma quantidade de tempo mais do que generosa para permitir a evolução do pastoralismo a partir de seus primeiros vislumbres. Assim estamos falando de um costume profundamente arraigado, um hábito cultural extremamente poderoso.
A interação dos homens com os cogumelos não foi um relacionamento estático, e sim dinâmico, através do qual fomos levados, por méritos próprios, à níveis culturais cada vez mais altos e a níveis de autoconsciência individual. "Acredito que o uso dos cogumelos alucinógenos nas pradarias da África nos deu o modelo para o surgimento de todas as religiões. E quando, após longos séculos de lento esquecimento, de migrações e mudanças climáticas, o conhecimento do mistério se perdeu, em nossa angústia trocamos a parceria pelo domínio, a harmonia com a natureza pelo estupro da natureza, a poesia pelo sofisma da ciência. Resumindo, trocamos nosso direito inato de parceiros no drama da mente viva do planeta pelos cacos da história, pela guerra, pela neurose e - se não acordarmos rapidamente para a nossa situação difícil - pela catástrofe planetária".

Fontes:
O Alimento dos Deuses. Terence MacKenna. Ed. Nova Era.
Dicionário de Símbolos. Jean Chevalier e Alain Gheerbrant. 24ª Ed. José Olympio ed.



Partida para o Sabbath

Este desenho foi baseado em uma xilogravura do século XVII representando um ritual da idade média no qual as Bruxas (ou não) esfregavam em seu corpo um unguento composto de inúmeras plantas psicoativas como a beladona, o meimendro-negro, a mandrágora, o acônito e o estramônio. Cada uma destas plantas contém quantidades variadas de atropina e de outros alcalóides estreitamente relacionados com ela: a hioscina e a escopolamina. Destaca-se a capacidade destas substâncias de submergir o usuário em um profundo estado de transe, de anular sua memória e de provocar visões ou, melhor dizendo, autênticas alucinações que, ao acordar reconhecerá como reais.
Estas plantas são altamente tóxicas e a quantidade de toxina que causa a embriaguêz é muito próxima da quantidade capaz de provocar a morte por intoxicação. As bruxas e feiticeiras da idade média eram verdadeiras especialistas nestas plantas, sua colheita era feita ao entardecer, com as últimas luzes do dia. Eram vários os motivos que levavam estas sábias mulheres a se esconder no luso-fusco das florestas para evitar serem vistas pelos seus vizinhos, sempre dispostos a acusá-las de pactos satânicos. Mas o principal motivo para colher suas ervas ao anoitecer era porque sabiam que nesse exato momento as plantas escolhidas tinham a maior quantidade de princípios ativos: o acúmulo de alcalóides ao longo do dia, graças à ação prolongada da luz solar, era máximo com o cair da tarde, momento ideal para colhê-las. Em várias ocasiões, era recomendado às bruxas que colhessem as plantas em cemitérios, lugares ricos em matéria orgânica e com solos carregados de compostos nitrogenados, o que dobrava a quantidade de alcolóides do vejetal.
Os efeitos causados por estes unguentos foram relatados no final do século XIX por Karl Kiesewette que fabricou um destes unguentos seguindo as receitas de antigos autores e aplicou-o em si mesmo: "pouco depois [de ter me untado], tive a impressão de estar voando atravéz de um tornado. quando besuntei as axilas, os ombros e as demais partes do corpo, caí em sono profundo e, nas noites seguintes, tive sonhos muito intensos de trens rápidos e paisagens maravilhosas dos trópicos. Várias vezes sonhei que, por causa da distância, as casas abaixo tiveram para mim dimensões minúsculas."
O Unguento causava nas bruxas a sensação de voar, esta é a origem da lenda de que as bruxas voavam em vassouras, não se trata de um vôo físico, mas de uma experiência psíquica transcendental, de forma que não é a bruxa que vai até o sabbath (conceito oriundo da idade média que designa uma reunião de feiticeiras em um espaço noturno) mas sim, o sabbath que vem até ela!

fonte:
História das Ervas Mágicas e Medicinais. Mar Rey Bueno. Madras editora, 2009.

Pink Floyd e a psicodelia


A banda norte americana Pink Floyd surgida ao fim da década de 1960 em meio aos movimentos de contra-cultura é uma grande referência que utilizo em meu trabalho. O primeiro desenho é baseado no clássico filme The Wall de Roger Watters, o segundo foi baseado na capa do album Aton Heart Mother.
As letras das músicas envolvem a alienação em massa, a loucura e as drogas psicodélicas. Segundo o teórico musical e sociólogo Theodor Adorno a música popular apresenta extruturas rítmicas padronizadas que tornam seus acordes substitutos e aparentemente individualistas imperceptíveis. Diferentemente da melhor música clássica européia na qual cada detalhe "praticamente contém o todo e conduz à exposição do todo, enquanto, ao mesmo tempo, é produzido fora do contexto do todo".
As composições do Pink Floyd estariam próximas deste último conceito além de incluírem em suas músicas elementos "não-musicais" como sons de campainhas de relógios, ovos sendo fritos ou latidos de cães. Os arranjos musicais também reproduzem três principais efeitos da experiência com LSD segundo Michael Hicks: A descronização (rompimento das percepções convencionais do tempo) que faz com que as músicas sejam aumentadas e seus ritmos desacelerados com solos longos e não-direcionais; a despersonalização (rompimentos das barreiras comuns do ego e da consciência resultante da unidade indiferenciada) que envolve uma amplificação extremamente alta em shows ao vivo resultando em uma diminuição da consciencia individual, além disso, dentro da banda a distinção entre músicos principais e de acompanhamento não se define; por último temos a dinamização (meio pelo qual as formas físicas extáticas parecem se dissolver em objetos de gordura derretida) expressa por uma série de técnicas especialmente relacionadas ao rock psicodélico como uso de reverberação artificial, progressões de acorde incomuns, unidades de ressonância e sons estéreos para indicar enormes espaços interiores, retorno de som e misturas de elevações de sons para dinamizar e deixar "derreter" timbres que, de outro modo seriam totalmente estáveis.

Fonte: Pink Floyd e a filosofia. Coletânea de George A. Reisch. Madras editora. 2010


sábado, 5 de março de 2011


Os Astecas, Maias e o Teonanacatl











As grandes civilizações da américa como os Astecas e os Maias foram fortes consumidores dos chamados cogumelos mágicos, fungos do gênero psilocybe que crescem no esterco de bovinos e equinos. Os astecas denominavam este cogumelo teonanacatl que significa literalmente "carne dos deuses". Os afrescos de Teotihuacan são a primeira evidência arqueológica que revelam o culto de Tlaloc, divindade pré-histórica, que contém diversas representações gráficas de cogumelos. Na Guatemala, se formos descrever os vestígios dos maias, existem curiosas representações, em pedra, de cogumelos, imagens que combinam o seu simbolismo com sua ascendência fálica.
O historiador Sahagún descreve o uso do cogumelo pelos astecas: "a primeira coisa que se comia nesse banquete era um pequeno cogumelo que embriaga e produz visões. Comiam disso antes do amanhecer... com mel, e quando começavam a estar excitados punham-se a dançar. Alguns cantavam, outros choravam, embriagados como estavam por esse cogumelo, e outros não cantavam, mas ficavam sentados em seus aposentos, pensativos. Alguns viam que iam morrer e choravam, outros viam-se devorados por uma fera, outros viam-se a fazer prisioneiros no campo de batalha, ou ainda a enriquecer, ou senhores de numerosos escravos. Outros viam que seriam culpados de adultério e que por esse crime lhes esmagariam a cabeça, outros que cometiam um roubo e seriam mortos, e muitas outras visões ainda. Quando desaparecia a embriaguez causada por esses cogumelos, falavam entre si acerca das visões que haviam tido".
As pesquisas feitas por várias gerações de etnomicólogos permitiram constatar a presença destes fungos em quase todas as regiões do mundo. Disseminados pela américa, Europa e Ásia foram encontradas até 60 espécies todas do gênero psilocybe, que contém proporções variáveis de psilocina e psilocibina, os alcalóides responsáveis pelas propriedades das visões.
Seu uso remete à antiguidade: na América, concretamente, há dados arqueológicos que apóiam as teorias de seu uso sacramental e terapêutico há, pelo menos, três milênios. Estamos, sem dúvida, diante de uma das substâncias visionárias que mais influenciou a cultura humana, responsável, para alguns pela gênese das religiões. A tese de que cogumelos mágicos estão na origem de certas formas de espiritualidade, foi exposta por Robert Graves e Gordon Wasson.
A ingestão destes fungos produz efeitos farmacológicos visíveis depois de meia hora: aumento da temperatura corpórea, avermelhamento cutâneo, alterações visuais e auditivas são os efeitos mais comuns, todos eles semelhantes aos produzidos pelo LSD. a duração da experiência dura de três a seis horas.
As visões são associadas, tradicionalmente, a uma iluminação descrita como sabedoria perfeita. Alguns antropólogos consideram que o paridaeza persa, o dilmun sumério, o paradeisos grego e os édens americanos e polinésios guardam uma grande semelhança, especialmente marcada quando se trata de áreas consumidoras desse tipo de cogumelos. A descrição desses paraísos é similar: são lindos jardins regados por um rio cristalino de quatro embocaduras, com pomares repletos de jóias cintilantes e uma serpente sábia que os habita.
Fontes:
História das Ervas Mágicas e Medicinais. Mar Rey Bueno. Madras editora, 2009.
A vida Quotidiana dos Astecas. Jacques Soustelle. Ed. Itatiaia, 1962.





Iccarus


Segundo a 24ª edição do Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant o personagem da mitologia grega Ícaro é o símbolo "do intelecto que se tornou insensato... da imaginação pervertida. É uma personificação mítica da deformação do psiquismo. A tentativa insana de Ícaro é proverbial pela emotividade no mais alto grau, por uma forma de aberração do espírito".
A meu ver a lenda de Ícaro ilustra com perfeição o episódio do surto psicótico: tal como Ícaro o indivíduo acometido pelo surto "morre" no sentido de que este perde sua consciência não dispondo de nenhuma noção, controle ou vigília do conteúdo alucinatório que chega à sua mente. Tal conteúdo é potencialmente transcendente e construtivo, potencial simbolizado pelo Sol que, dentre seus múltiplos significados simboliza o conhecimento divino, a iluminação e a auto-consciência. Ícaro não demonstra uma condição psicológica apropriada para conceber tal conhecimento e iluminação, "detentor de um EGO que se deixa tragar e queimar por um SELF que dele se apodera possuindo-o, invadindo-o, inflando-o e aniquilando-o".
No desenho acima usei como referência o Sol pintado por Van Goh na pintura "O semeador". Sabe-se que Van Gogh sofria perturbações psíquicas de nível psicótico, Silvia Anspach em seu livro "arte, cura, loucura" diz que as pinturas de Van Gogh apresentam o Sol como algo que "contamina, invade e incendeia toda a cena, amarelando desesperadora e impositivamente todo o território pictórico" expressando também uma ânsia de fusão do artista com este Sol tal como Ícaro.

fontes:
Dicionário de Símbolos. Jean Chevalier e Alain Gheerbrant. 24ªed. Editora José Olimpio
ANSPACH, Silvia. Arte, cura, loucura. Ed. Annablume. 2000

Bad Trip