sábado, 3 de dezembro de 2011

ESTADOS ALTERADOS DE CONSCIENCIA E SUBSTANCIAS PSICOATIVAS

          Segundo Andrew Weil o uso de drogas para alterar a conciência tem sido característica da humanidade em todas as épocas e lugares da terra. Para o autor a onipresença do fenômeno é um argumento relativo a estarmos tratando de uma característica biológica da espécie, e não com algo embasado social ou culturalmente. Alterar a consciência é, portanto, uma característica inata da espécie humana da mesma forma que a fome e o sexo, tal instinto se manifesta em idades demasiado jovens: crianças em torno dos 4 anos se engajam extensivamente em atividades objetivando alterar a consciência de vigília como rodopiar em torno do mesmo eixo: atividade que surge espontaneamente nas crianças de diferentes culturas e partes do mundo.
            Todos os povos de diferentes épocas gastaram muito tempo e energia desenvolvendo meios de alterar a consciência, entre eles a meditação, a yoga, o jejum e uso ritualístico de plantas, fungos ou animais contendo substâncias psicoativas como a psilocibina, a mescalina, o DMT dentre outras.

Ipomea violacea; Psilocybe cubensis; Salvia divnorum; Pyllomedusa bicolor: fontes naturais de substancias psicoativas.

            Nas sociedades arcaicas de todas as épocas tais plantas psicoativas detém caráter divino, fazem parte de seus sistemas de crença estando associadas aos Deuses e presentes em suas narrativas mitológicas. Em tais sociedades é o Xamã ou curandeiro quem detém o maior conhecimento e domínio destas plantas; o Xamã detém inúmeras funções: é artista, médico, teórico da informação, pesquisador experimental da natureza, meteorologista, futurólogo e agente planejador de sua tribo.
            O uso de plantas psicoativas para a indução de estados alterados de consciência é uma parte importante do treinamento e iniciação do jovem Xamã e se dá em contexto ritualístico, junto a invocações, danças e psicodrama. A partir das experiências proporcionadas por estas plantas e poções o xamã em formação vivencia uma vasta gama de experiências que podem envolver viagens à diferentes mundos e dimensões, encontro e comunicação com Deuses, ancestrais e espíritos animais, ter a experiência de ver seu corpo desmembrado, cozido ou ter seus órgãos substituídos por pedras preciosas, dentre outros.


            As fontes naturais de substâncias psicoativas também são utilizadas no tratamento de enfermidades de todos os membros da tribo. Quando uma pessoa está enferma passa por uma sessão ritual junto ao xamã, nesta ocasião o Xamã e/ou o enfermo utilizam da substância e ambos buscam a causa e a cura da moléstia. Em estado alterado o xamã pode visitar mundos de onde resgata a alma do doente, pode ainda receber fórmulas medicinais dos deuses, ou guiar oferendas para aplacar os deuses e a enfermidade. Esta é uma prática arcaica que sobrevive até os dias atuais nas tribos ainda existentes.
            Terence Mckenna em seu livro O Alimento dos Deuses traça uma linha histórica relacionando os acontecimentos mundiais à presença ou escassez de substâncias psicoativas. Segundo ele o inicio da civilização humana é marcado por uma simbiose entre o homem e o cogumelo existindo inúmeras evidências arqueológicas para este fato como por exemplo o culto universal à uma “Deusa Mãe de Chifres”. A vaca e outros animais bovinos – de cujo esterco nascem cogumelos psicoativos – estão presentes nas mitologias de muitos povos e na índia ainda é considerada um animal sagrado.

Terence Mckenna
        
       Esta simbiose se desfaz no momento em que as condições climáticas não mais permitem a reprodução do fungo. O cogumelo é então gradativamente substituído pelo álcool, gerando modelos dominadores e masculinos de sociedade em contraste com o modelo igualitário, centrado na natureza e no feminino existente anteriormente.
            O modelo dominador persiste na maior parte do mundo atual, fora reforçado durante a chegada dos portugueses à América quando surgiu na Europa uma demanda por novas sensações: cores de tecidos, temperos, perfumes, sabores. A exploração do açúcar trouxe de volta à humanidade o sistema escravista, anteriormente abolido; surge o café, o chá e o chocolate: drogas que exigem grandes quantidades de açúcar.
            Com a descoberta do LSD ocorre um princípio de retorno a um modelo igualitário de sociedade, marcado pelo surgimento dos hippies e beatnicks que deixaram suas casas formando grupos e sociedades alternativas. No momento histórico atual se desenvolvem tecnologias que possam sanar a necessidade de experimentar estados alterados de consciência que são basicamente as drogas eletrônicas como a T.V. Nos anos 70 a T.V. chegou a ser indicada como uma forma de tratamento para hippies e pessoas desviantes do comportamento social padrão.
            A enorme repressão das substâncias psicodélicas em meados dos anos 70 estagnou por décadas a pesquisa científica séria do potencial terapêutico destas substâncias. Em 2004 universidades dos EUA receberam as primeiras licenças legais para explorar o uso medicinal destas substâncias.
            As pesquisas tem mostrado que estas substâncias são úteis no tratamento de inúmeros distúrbios psíquicos como a depressão, transtorno obsessivo compulsivo, esquizofrenia, stress pós-traumático, dependência química, ansiedade diante da morte em pacientes terminais e síndrome do pânico. Ao contrário dos tratamentos atualmente existentes que levam anos e são pouco eficazes, uma única sessão de terapia com psicodélicos pode ser suficiente no tratamento de um distúrbio psíquico como a depressão. Isto pode gerar um colapso nos lucros da indústria farmacêutica que atualmente oferece um tratamento medicamentoso prolongado e lucrativo para a depressão e outros transtornos.

     LSD; MDMA/Ecstasy; Ketamina; DMT: psicodélicos sintéticos de potencial terapêutico.

         Além disso as substâncias psicodélicas tem se mostrado úteis no tratamento de algumas doenças orgânicas. Pesquisadores estão descobrindo que alterações na molécula de MDMA ou Ecstasy é eficaz no tratamento do câncer. Também descobriu-se que o DOI – substância não-psicodélica derivada da molécula de LSD – é útil no tratamento da cefaléia em salvas, uma doença que causa dores de cabeça tão intensas que alguns enfermos chegam a cometer suicídio para aliviar a dor, o DOI alivia todos os sintomas quando não há nenhum medicamento eficaz no tratamento desta doença. Descobriu-se também que doses diminutas de DOI pode interferir com o sistema imune e a resposta inflamatória abrindo vias inéditas para o tratamento de desordens alérgicas e doenças auto-imunes. As áreas da psicologia, medicina e outras tem se enriquecido com as atuais pesquisas com psicodélicos. O Psiquiatra Tcheco Stanislav Grof, teoriza, a partir de suas pesquisas e dos relatos de experiências com psicodélicos, a existência de duas dimensões importantes da psique: a dimensão perinatal – relacionada ao trauma do nascimento (podem ocorrer visões de guerra, visões sexuais, sensações de morte e estrangulamento, sensações envolvendo excrementos e decomposição) e a dimensão transpessoal – envolvendo experiências além do ego, e do tempo-espaço linear como sensação de estar vivendo em outras épocas e lugares, encontros com seres arquetípicos, divindades e extraterrestres, visões de cenas mitológicas, etc. Grof considera a descoberta do LSD tão importante para a psicologia quanto o microscópio pra a biologia ou o telescópio para a astronomia.

Stanislav Grof

          O Jornalista Científico John Horgan em seu livro A Mente Desconhecida faz um estudo exaustivo da eficácia dos atuais tratamentos oferecidos pela psicologia e das perspectivas da construção de conhecimento nos campos da psicanálise, terapia cognitivo-comportamental, psicologia evolucionista, robótica, neurociências e genética comportamental concluindo que o futuro da área se encontra na pesquisa dos psicodélicos e da consciência.

Fontes:
Andrew Weil. Drogas e Estados Superiores da Consciência. Ground, 1990.
John Cashman. LSD. Perspectiva, 1966.
Experiência Cósmica e Psicose. K. Wapnick e outros. Vozes, 1991
A Mente Desconhecida. John Horgan. Cia das Letras, 2002
A Revolução da Consciência. Francisco DiBiase e Richard Amoroso (organizadores). Vozes, 2004.