domingo, 17 de abril de 2011

As Pedras-Cogumelos



No Sul do México, entre os descendentes dos Astecas e dos Mayas é um cogumelo, o teonanacatl, ou "carne de Deus", que constitui o alimento divino próprio a ajudar o homem a subir o rio de suas metamorfoses até sua primeira origem. Com os psilocibes, consumidos ritualmente, os índios mazatecas e zapotecas - entre outros - empreendem ainda hoje a viajem contra a corrente que, além dos espaço e do tempo, os leva - pelo menos é o que afirmam - da periferia do mundo onde reinam a miséria e o sofrimento até o Jardim primitivo, entre os deuses de seus ancestrais.

Essa volta ao estado primordial, atribuida ao cogumelo divino, é evocada num afresco descoberto em Tépantitla, e que representa uma alma visitando o Tlalocan, ou Paraíso de Tlaloc, o deus da chuva e dos teyuinti, em outras palavras os cogumelos alucinógenos. Um rio atravessa o país, um fio de água dele se destaca e une a alma ao rio, como que para testemunhar sua união essencial. Um pouco mais longe, o gênio dos cogumelos, sob a aparência de um hombrecito, está acocorado sob a árvore paradisíaca. Sobre esta última uma serpente aérea desdobra suas espirais, como que para lembrar-nos que a árvore da Vida está sempre guardada por um monstro.

Concepções análogas inspiraram os escultores das pedras cogumelos descobertas no Máxico e na Guatemala.

Entres estas pedras esculpidas, as mais comuns representam um agárico cujo chapéu circular cobre um pé cilíndrico pousado sobre um soco de base quadrada ou retangular. Outros pelo contrário, trabalhados sabiamente, associam ao criptograma uma personagem ou um animal. As maiores atingem 30 ou 35 centímetros. A maioria destas esculturas são de origem Maya. As mais antigas parecem remontar ao século X, se não ao XII antes de Cristo; as mais recentes datam do século VIII ou do IX depois de Cristo.

Com seu tipo vertical e seu chapéu sensivelmente hemisférico, o agárico lembra um pequeno guarda-chuva. Esta comparação requer algumas explicações.

É por isso que, entre os hindus, o "guarda-chuva" é o emblema do Chacravarti ou Monarca Universal. Assim como o trono é uma insígnea da realeza; mas, ao passo que o segundo se refere ao poder temporal do soberano, o primeiro diz respeito à sua força espiritual. Sentado sob o guarda-chuva sagrado, o Chefe situa-se ritual e simbólicamente sobre o eixo que liga o Céu e a Terra: ele é, aos olhos de todos, o "mediador" entre os homens e os Deuses. Essas correspondências têm suas origens no simbolismo próprio à forma menos específica, mas a mais dinâmica de todas, que é a esfera, de um lado, e de outro a que pode ser considerada como a forma mais extática, isto é, o cubo. É por isso que, em todas as épocas, o pólo essencial da Manifestação tem sido representado por um barrete esférico - abóboda ou cúpula - ao passo que seu pólo substancial estava associado à formas cúbicas mais ou menos alongadas ou achatadas.

No espírito dos povos depositários de uma tradição, a Manifestação inteira e o homem em particular estavam contidos entre a forma esférica original do Ovo do Mundo e a forma cúbica de sua solidificação progressiva e sua cristalização final.

Os templos de base quadrada e teto circular, refletiam este simbolismo cósmico; o grande sacerdote ocupando a parte central do edifício sagrado reintegrava, de certo modo publicamente, o Centro primordial e identificava-se com o Eixo do Mundo. O povo todo podia, então, saudar em sua pessoa a última encarnação do Deus Sol, e inclinar-se diante daquele que aparecia como o regulador da ordem cósmica tanto quanto da ordem social.

Em Mitla, visitamos um templo, verdadeiro prodígio da arquitetura Tolteca, e descemos à uma cripta em forma de cruz. Na intersecção das galerias que formam esta última existe uma coluna truncada que materializa o eixo do edifício e, portanto, o Eixo do Mundo.

Entre as pedras-cogumelos conhecidas, há duas que estão certamente entre as mais significativas. A mais antiga, que representa um agárico fixado no dorso de um jaguar, foi descoberta na Guatemala e remonta ao século X a.C.; a mais recente, que se acha atualmente no Museu Rietberg, em Zurique, reúne um criptograma e uma figura humana e data do começo do período clássico da civilização zoomórfica (300 a 600 anos d.C.).

A escultura zoomórfica resulta da combinação de dois símbolos tradicionalmente inseparáveis: a Árvore da Vida, de um lado, e o monstro que lhe defende o acesso do outro. A exemplo do guarda-chuva dos orientais, o agárico idealizado nas pedras-cogumelos simboliza plenamente essa parte do Eixo do Mundo que liga diretamente o paraíso terrestre aos degraus da existência universal, que são os Céus. Observemos o quadriculado gravado sobre a estipe. A impressão que se tem é a de uma teia de malhas largas que cobririam o eixo de toda a sua altura, como que para sugerir, além da opacidade da pedra, um vazio essencial, dando ao mesmo tempo a idéia da realidade metafísica oculta sob o símbolo.

Quanto ao Jaguar que, com as garras de fora constitui o soco sobre o qual repousa o cogumelo, ele é - como também a serpente e o dragão - o "Guardião do Umbral" com o qual se devem medir os candidatos à Iniciação.

Colocado entre a esfera e o cubo o jaguar situa-se simbolicamente entre o pólo celestial e o pólo terrestre. Estamos certamente diante de uma representação do "Filho do Céu e da Terra", do mediador por exelência que, na época das antigas civilizações solares, exercia a dupla função de Pontífice e Soberano.

A base desta escultura, como trono de pirâmide, lembra as pirâmides do México e de outras partes cujo simbolismo se assemelha estreitamente ao do cubo. Na realidade enquanto a arquiteutra cúbica corresponde a uma visão estática do pólo substancial, a estrutura piramidal refere-se ao processo involutivo da Manifestação, cujo distanciamento progressivo se efetua no sentido de uma quadratura crescente.

O culto do teonanacatl é certamente muito antigo. Atualmente os psilocybesalucinógenos são consumidos frescos e inteiros, mas tudo leva a crer que no princípio eram esmagados a fim de extrair-se uma "beberagem da imortalidade", análogas aquelas que são tiradas da polpa do peyote, dos grãos de ololiuhqui - cujo princípio ativo é semelhante ao LSD 25 - e das folhas de "pastora".

Possuimos, realmente uma grande pedra cogumelo antropomórfica muito característica nesse sentido. A silhueta que suporta a estipe do agárico é a de uma mulher de joelhos, inclinada sobre uma espécie de mó chata e retangular, o metate do qual os índios desta região se servam ainda hoje para esmagar todas as espécies de grãos. Na província de Oaxaca, as curandeiras operam deste modo com os grãos da ipomea violacea.

Os alimentos sagrados dos índios do México podem ser comparados às beberagens de imortalidade da Índia e da Pérsia. "Bebemos o Soma, tornando-nos imortais, chegamos à Luz, atingimos os Céus..." proclamam os hindus no templo dos Vedas. "O primeiro dom que imploro de ti" escrevia Zaratustra "o Haoma que afasta a morte, é o paraíso dos justos resplendentes e bem aventurados".

Assim como o Soma e o Haoma, o teonanacatl dos Astecas e dos Mayas era principalmente - na origem - um instrumento de reintegração ao estado primordial, um meio ritual de reencontrar a condição dos espíritos e o caminho do Paraíso perdido. Se nos faltam textos escritos, os afrescos e as pedras-cogumelos demonstraram, na linguagem universal dos símbolos, uma Ciência esquecida, e seu testemunho concorda com os do Rig-Veda e do Avesta.

Se o culto dos cogumelos sagrados se degradou no curso dos séculos, ainda sobrevive no Sul do México. Os relatos sobre a experiência com Psilocybes nos falam sobre a subida extática através dos Céus, do encontro e do diálogo do sujeito com os Deuses e seus ancestrais, assim como da maravilhos certeza - alcançada no ponto culminante da experiência - de ter recobrado o "senso da eternidade".

Durante os ágapes fungosos, limpam-se os psilocybes, tirando-les a terra, e eles são enfileirados dois a dois e contados aos pares. O número de pares depende da constituição do sujeito. cada par se compõe de um cogumelo macho e um cogumelo fêmea. A curandeira que formou os pares apresenta-os a pessoa. Os cogumelos são, portanto "casados" quando levados à boca, como se, pelo sacrifício destes singulares cônjugues, todas as dualidades, todos os contrários devessem reconciliar-se no coração do paciente e fundir-se na unidade reencontrada.


Fonte:

Mandala. A experiência alucinógena. Ed. Civilização Brasileira. 1972


Nenhum comentário:

Postar um comentário