quinta-feira, 24 de maio de 2012

Primórdios da Psicodelia

Louis Lewin foi um dos investigadores mais relevantes para o estudo interdisciplinar dos alucinógenos. Há mais de um século este famoso toxicólogo berlinês captou o profundo significado dos enteógenos na evolução cultural da raça humana quando escreveu o seguinte trecho em seu livro Phantastica:
           
“Desde que conhecemos o homem, sabemos que ele vem consumindo substâncias que não possuem valor nutritivo e que têm sido usadas com o único objetivo de produzir, por certo tempo, um sentimento de euforia, de paz ou um elevado e agradável estado subjetivo de bem-estar. O homem encontrou tais poderes em bebidas alcoólicas e em algumas poucas substâncias vegetais, as mesmas que ainda são empregadas para este fim.

“Sua energia potencial vem cobrindo toda a terra e tem estabelecido a comunicação entre distintos povos, apesar das montanhas e mares que os separam. Estas substâncias formaram uma ponte de união entre pessoas de hemisférios opostos, entre os civilizados e os não-civilizados e, desde que cativaram os homens, lhes abriram caminhos para sua expansão, de que logo foram úteis para outros propósitos. Produziram nos povos antigos características que foram conservadas até nossos dias, demonstrando um maravilhoso grau de interação entre pessoas distintas de forma tão exata e precisa como a que um químico pode observar entre duas substâncias por meio de suas reações. Parecem sempre ser necessários centenas ou milhares de anos para estabelecer -através destes meios - o contato inconsciente entre povos inteiros de todo um continente.

 “Os motivos do uso habitual ou ocasional destas substâncias são muito mais interessantes para o pensador do que a mera coleta de dados que há acerca delas. Aqui se encontram todos os contrastes humanos - barbárie e civilização - em todos seus diferentes graus de possessões materiais, status social, conhecimento, crenças, idade e dons do corpo, da mente e da alma.

“Neste plano se encontram o governador e o governado; o selvagem de uma ilha próxima dos bosques do Congo ou dos desertos de Kalahari se encontra com os poetas, filósofos, cientistas, legisladores, homens de estado, misantropos e filantropos; marcham ombro com ombro o homem de paz e o homem de guerra, o devoto e o ateu.

“Os impulsos físicos que são capazes de unir classes tão diversas e incalculáveis de homens sob seu encanto devem ser extraordinários e poderosos. Muitos têm expressado opiniões acerca destas substâncias, porém poucos às tem calado em seu conjunto e em suas propriedades intrínsecas e, menos ainda, têm percebido seu mais profundo significado e compreendido os motivos que levam ao uso destas substâncias nas quais se armazenam semelhantes energias.”

À vários investigadores científicos corresponde o mérito de haver iniciado os estudos interdisciplinares sobre plantas alucinógenas e substâncias psicoativas. Em 1855 Ernst Freiherr von Bibra publicou Die narkotischen Genussmittel und der Mensch, onde estudou 17 plantas psicoativas. Fez assim um chamado aos químicos para estudar diligentemente esta área tão prometedora e cheia de enigmas. Mordecai Cooke, um micólogo britânico, publicou vários estudos especializados sobre fungos. Em 1860 publicou seu livro The Seven Sisters of Sleep, uma publicação que não era técnica mas sim popular e que constituía um estudo interdisciplinar sobre plantas psicoativas.

Em 1911 Carl Hartwich publicou Die menschlichen Genussmittel, extenso estudo onde descreveu detalhadamente sobre 30 plantas psicoativas; ademais, mencionou mais algumas, assim como o ano em que foi publicada a obra de Ernest Freiheer von Bibra. Apesar de que desde 1955 se havia levado a cabo apenas algumas investigações químicas e botânicas sobre estas plantas com propriedades ativas tão peculiares, Hartwich sustentava com grande otimismo que os estudos dos alucinógenos estavam em pleno desenvolvimento e já quase terminados.

Em 1924, 13 anos depois, Louis Lewin, talvês a figura mais influente da psicofarmacologia, publicou Phantastica, um livro de extraordinária profundidade interdisciplinar. Apresentou uma história completa de mais de 20 plantas e descreveu vários compostos sintéticos utilizados em todo o mundo por seus efeitos estimulantes e intoxicantes. Destacou sua importância para o estudo cientifico, especialmente nos campos da botânica, etnobotânica, química, farmacologia, medicina, psicologia e psiquiatria, assim como para a etnologia, historia e sociologia. Lewin escreveu a respeito de sua obra Phantastica que “o conteúdo deste livro oferece um ponto de partida para realizar novas investigações nas áreas cientificas anteriormente mencionadas”.

Desde 1930 até nossos dias o estudo interdisciplinar das plantas vem aumentando cada vez mais. Têm sido clarificados e comprovados muitos dos conhecimentos anteriores, e os novos descobrimentos em vários destes campos sucedem-se de maneira vertiginosa. Apesar dos avanços que alcançados durante os últimos 125 anos nas diferentes disciplinas ainda resta muitíssimo trabalho por fazer a respeito destas “plantas dos deuses”.

Tradução livre de: Plantas de los Dioses: orígenes del uso de los alucinógenos / Richard Evan Shultes e Albert Hoffmann / 2ªedição / FCE, 2000.

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